DA POSSIBILIDADE DE ADOÇÃO DE MEIOS EXECUTIVOS ATÍPICOS PELOS MAGISTRADOS: A AFETAÇÃO DO TEMA Nº 1.137 PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA E A INTERFERÊNCIA NOS AUTOS EXECUTÓRIOS

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 29/04/2022, afetou o Recurso Especial nº 1.955.539/SPi para analisar se o agistrado, sob a devida fundamentação, observância ao contraditório e a proporcionalidade da medida, poderia adotar meios executivos atípicos para buscar a completa satisfação da obrigação.

O cerne da questão se iniciou com a seleção de dois recursos especiais como representativos da controvérsia (REsp nº 1955539/SP e 1955574/SPii), ensejando a instauração do Tema Repetitivo nº 1.132, de relatoria do Ministro Marco Buzzi.

Há muito tempo se discute no âmbito doutrinário e jurisprudencial sobre a adoção de medidas atípicas como espécie de ‘coação’ ao devedor a adimplir seu débito. Isso decorre da própria previsão legal do art. 139, IV do CPC o qual autoriza o magistrado a adotar “medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” a fim de se cumprir determinações judiciais proferidas em feitos com caráter pecuniário.

Também denominada de execução indireta, os meios atípicos podem ser desde o bloqueio de cartões de crédito, até mesmo a apreensão de passaportes, e retenção da carteira de habilitação, abrangendo diversas probabilidades a serem analisadas individualmente.

O ente legiferante, portanto, optou por abandonar o princípio da tipicidade das formas executivas (até então vigente, ao menos para as hipóteses envolvendo obrigação de pagar quantia), conferindo maior elasticidade ao desenvolvimento do processo satisfativo, de acordo com as circunstâncias de cada caso e com as exigências necessárias à tutela do direto material anteriormente reconhecido.

A utilização destes métodos igualmente decorreu da pouca efetividade dos processos executórios no âmbito judicial, instituindo um poder geral de efetivação (JUNIOR, p. 263, 2018)iii, entretanto, é crível se ressaltar que elas sempre terão caráter subsidiário aos meios típicos, devendo somente serem autorizadas se houver indícios que o devedor possui patrimônio expropriável, pois, do contrário, elas não seriam coercitivas para a satisfação do crédito, mas apenas punitivas, o que é vedado pela lei.

Não se pode, entretanto, permitir a adoção das referidas medidas quandoobservado que sua utilização certamente causará o efeito contrário do que se busca, ou seja, o magistrado deve ser cauteloso na concessão da medida com fulcro a evitar que o devedor seja ainda mais prejudicado e lhe dificulte até mesmo se capitalizar para satisfazer a obrigação, ferindo diretamente os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Daí a proporcionalidade da medida.

Ocorre que, como bem exposto pela Min. Nancy Andrighi, no julgamento do RHC 99.606/SP, e seguindo boa parte da doutrina rocessual civil, a adoção de tais medidas violam diretamente o princípio da patrimonialidade da execução, eis que sua utilidade sai da esfera do patrimônio do devedor e se insere no plano de sua vontade.

Indo em consonância ao Superior Tribunal de Justiça, é a atual e recente jurisprudência do Tribunal de Justiça do Paraná, in verbis:             

PROCESSO   CIVIL.   AGRAVO   DE   INSTRUMENTO.   EXECUÇÃO   DE   TÍTULO  EXTRAJUDICIAL.   APREENSÃO   DA   CNH   DOS   AGRAVANTES.   MEDIDAS  COERCITIVAS ATÍPICAS. ART. 139, IV/CPC. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS  DE  OCULTAÇÃO  PATRIMONIAL  OU  DE  TENTATIVA  DE  FRUSTRAÇÃO  DA  EXECUÇÃO. INADEQUAÇÃO E DESPROPORCIONALIDADE. PRECEDENTES.  PROVIMENTO  DO  RECURSO1.  A  aplicação  excepcional  de  medidas  executivas  atípicas,  tais  como  a  apreensão  de  CNH  do  devedor,  pressupõe  respeito  ao  prévio  contraditório e à adequação da decisão, exigindo-se razoabilidade e proporcionalidade  da providência que se visa implementar, em conformidade com a jurisprudência do  Superior  Tribunal  de  Justiça  e  deste  Tribunal.2.  “A  adoção  de  meios  executivos  atípicos é cabível desde que, verificando-se a existência de indícios de que o devedor  possua patrimônio expropriável, tais medidas sejam adotadas de modo subsidiário, por  meio de decisão que contenha fundamentação adequada às especificidades da hipótese  concreta,   com   observância   do   contraditório   substancial   e   do   postulado   da  proporcionalidade”, de modo que, não havendo sinais de que de que o devedor esteja  ocultando  patrimônio,  mas  sim  de  que  não  possui,  de  fato,  bens  aptos  a  serem  expropriados, mostra-se despropositada a pretensão de apreensão da CNH (Carteira  Nacional  de  Habilitação)  do  devedor,  como  prevê  o  art.  139,  IV/CPC  (STJ  –  REsp  1788950/MT  –  3ª  T.  –  Relª  Min.  Nancy  Andrighi  –  DJe  26.04.2019).3.  Agravo  de  instrumento à que se dá provimento. (TJPR – 17ª C.Cível – 0053593-25.2020.8.16.0000 –  Curitiba –  Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU FRANCISCO  CARLOS JORGE –  J. 13.06.2022) (grifo nosso) 

Em contrapartida, memora-se que sua aplicabilidade não quer dizer que o corpo do devedor passa a responder pela dívida, mas apenas figuram como espécie de pressão psicológica frente ao débito com intuito de fazer com que ele se convença que o adimplemento voluntário é mais benéfico a ambas as partes insertas na lide.

Ante o exposto, conclui-se que a adoção de medidas atípicas nos feitos executórios com fulcro a satisfazer a obrigação trouxe nítida inovação da seguridade judicial, garantindo ao credor o uso de outros meios a reaver seu crédito, devendo, contudo, ser observado que o uso infundado e indiscriminado de tais métodos poderão ensejar violação a direitos fundamentais e serem ainda mais prejudiciais ao devedor, indo de encontro com o princípio da menor onerosidade e dos corolários processuais de razoabilidade, proporcionalidade e eficácia.

i ProAfR no RECURSO ESPECIAL Nº 1.955.539 – SP (2021/0257511-9). Rel. Min. Marco Buzi, J. em
29/03/2022.
ii ProAfR no RECURSO ESPECIAL Nº 1.955.574 – SP (2021/0257680-1). Rel. Min. Marco Buzi, J. em
29/03/2022.
iii JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil – vol. III / 51. ed. rev., atual. e ampl. –
Rio de Janeiro: Forense, 2018.

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