RESPONSABILIDADE CIVIL

LUCROS CESSANTES E A PERDA DE UMA CHANCE: UMA VISÃO SOBRE OS INSTITUTOS E APLICAÇÃO DA PERDA DE UMA CHANCE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE.

Tanto os lucros cessantes quanto a perda de uma chance são institutos inseridos dentro da responsabilidade civil. O primeiro encontra-se previsto no artigo 402 do Código Civil, já o segundo trata-se de instituto previsto no ordenamento jurídico francês, mas que é aceito e aplicado no ordenamento jurídico brasileiro.

Antes de adentrar à aplicação dos institutos no direito societário, cumpre definir especificamente cada um deles, em especial no que consiste a responsabilidade civil.

Segundo Silvio de Salvo Venosa “O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.”1

O Código Civil Brasileiro define responsabilidade civil da seguinte forma: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 1862 e 1873), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Para que a responsabilidade possa ser atribuída a determinado sujeito é necessário que estejam presentes os seguintes elementos: conduta humana, o dano e o nexo de causalidade. A conduta se revela na ação ou omissão (voluntária). Já o dano é o resultado proveniente da conduta, consubstanciado na lesão a um interesse jurídico, patrimonial ou extrapatrimonial. Por fim, o nexo de causalidade é o liame entre a conduta e o resultado.

Superada a breve exposição acerca do conceito de responsabilidade civil e seus elementos, adentra-se às explicações cabíveis quanto ao instituto dos lucros cessantes e ao instituto da perda de uma chance.

Os lucros cessantes são aqueles em que o prejudicado deixa razoavelmente de lucrar em razão do prejuízo sofrido, conforme disciplina o artigo 402 do Código Civil: Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar, ou seja, aquele lucro que provavelmente receberia se não fosse pela conduta de outrem. Carlos Roberto Gonçalves expõe que a satisfação das

1 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil, p. 1.
2 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
3 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

perdas e danos possuem o condão de recompor a situação patrimonial da parte lesada pelo inadimplemento contratual.

Já a perda de uma chance se consubstancia no fato de alguém deixar de obter uma situação futura melhor em razão da conduta ilícita de outrem, conforme preconiza a Ministra Nancy Andrighi, no voto prolatado no REsp 1.750.233-SP. Ainda com base nos dizeres dos Ministros do STJ, tem-se que “na perda de uma chance, há também prejuízo certo e não apenas hipotético, situando-se a probabilidade de obtenção de um benefício frustrado por força do evento danoso.
Repara-se a chance perdida”, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Resp 1.291.247.

Tendo em vista que a teoria da perda de uma chance não está prevista na legislação brasileira, mas tão somente na jurisprudência e na doutrina, vale trazer, também, as lições do doutrinador Daniel Amaral Carnaúba, que classifica a perda de uma chance como uma “técnica decisória, criada pela jurisprudência francesa, para superar as insuficiências da responsabilidade civil diante das lesões a interesses aleatórios. Essa técnica trabalha com o deslocamento da reparação: a responsabilidade retira sua mira da vantagem aleatória e, naturalmente, intangível, e elege a chance como objeto a ser reparado” (CARNAÚBA, Daniel Amaral. A responsabilidade civil pela perda de uma chance: a técnica na jurisprudência francesa. In: Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 922).

Pois bem, tanto a doutrina quanto a jurisprudência classificam o instituto como a possibilidade de reparação à chance perdida.

Embora distintos, os institutos (lucros cessantes e perda de uma chance) às vezes são confundidos. A fim de evitar dúvidas, no julgamento do Recurso Especial 1.190.180, considerou-se que a perda de uma chance é “algo intermediário entre o dano emergente e os lucros cessantes”. Destacou-se, ainda, no mesmo julgamento, o seguinte: “Infere-se, pois, que nos lucros cessantes há a certeza da vantagem perdida, enquanto na perda de uma chance há a certeza da probabilidade perdida de se auferir a vantagem”.

Partindo dos argumentos tecidos acima, vale trazer em pauta a aplicação do instituto da perda de uma chance no direito societário. Isso porque, em 2018, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, nos autos de Apelação Cível 1.0713.13.005131-9/001, manteve a decisão do Juízo de origem que entendeu que a dissolução irregular da sociedade ensejou à reparação dos danos sofridos pelo ex-sócio, já que um dos sócios esperou o negócio alavancar para depois dissolver a sociedade de forma unilateral.

Com base na dissolução irregular da sociedade, que configurou ato ilícito, com fundamento no disposto no artigo 187, do Código Civil, bem como demonstrando o que o sócio expulso teria deixado de lucrar em razão da evidente chance de obter lucro com a atividade que seria desenvolvida, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a decisão de origem. Se não, veja-se: (…) Ora, a conduta ilícita da apelante impediu que a apelada tivesse a chance de obter lucros numa atividade de teleatendimento (call center). Essa perda é passível de indenização.

Sobre o tema, e na linha do que evoluiu a doutrina e a jurisprudência a respeito da aplicação da teoria anteriormente citada, é preciso verificar, para que se conquiste o direito de indenização por chance perdida, se o resultado favorável esperado pela vítima do ato ilícito era razoável.

No caso dos autos, a resposta a tal pergunta é positiva.
Com efeito, a sociedade empresária, da qual as partes eram sócias, estava em vias de finalizar um contrato com a cliente VIVO S/A. (fls. 52/59, 95, 111, 314), sendo certo que esse contrato chegou até a ser assinado (fl. 314). Foi discutido entre os diretores das partes nesta ação, as projeções de lucros advindos desse mencionado contrato (fl. 116).

É importante dizer que não se está afirmando que as partes obteriam lucro certeiro em sua atividade. No entanto, como existe nexo causal entre o ato ilícito, dissolução abusiva da sociedade pela apelante, e o dano sofrido, bem como perda de uma chance da obtenção de um possível lucro na atividade empresarial, o dever de indenizar é um consectário dessa conclusão. (…) Assim, o dever de indenização da apelante à apelada é inegável. Passa- se a análise quanto àquilo que deve ser o valor dessa indenização.

Portanto, conclui-se que o entendimento acerca da aplicação da perda de uma chance visa, de modo justo, indenizar àquele que foi alvo de uma conduta ilícita, ainda que o instituto não seja previsto pela legislação brasileira, fincado evidente a importância da jurisprudência e da doutrina em casos como o narrado acima.

Referências:

DONIZETTI, Elpídio. Perda de uma chance e lucros cessantes: semelhanças, diferenças, cumulação e o posicionamento da jurisprudência. Disponível em: https://www.elpidiodonizetti.com/perda-de-uma-chance-e-lucros-cessantes-semelhancas-diferencas-cumulacao-e-o-posicionamento-da-jurisprudencia/. Acesso em: 08 jul. 2022.

JURISPRUDÊNCIA. Disponível em:
https://www5.tjmg.jus.br/jurisprudencia/pesquisaNumeroCNJEspelhoAcordao.do;jsessionid=A37291A01F2CECD0AD23F892171D3B9C.juri_node2?numeroRegistro=1&totalLinhas=1&linhasPorPagina=10&numeroUnico=1.0713.13.005131-9%2F001&pesquisaNumeroCNJ=Pesquisar.
Acesso em: 08 jul. 2022.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.

LENHARDT, Augusto. A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE NA APLICABILIDADE DOS TRIBUNAIS BRASILEIROS: POSSIBILIDADES E TENDÊNCIAS. 2016. 84 f. Tese (Doutorado) – Curso de Direito, Centro Universitário Univates, Lejeado, 2016.

JUSTIÇA, Superior Tribunal de. Oportunidades perdidas, reparações possíveis: a teoria da perda de uma chance no STJ.
Disponível em:
https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/09082020-Oportunidades-perdidas–reparacoes-possiveis-a-teoria-da-perda-de-uma-chance-no-STJ.aspx.
Acesso em: 08 jul. 2022.

RECURSOS ESPECIAIS: REsp 1291247REsp 1540153REsp 1308719REsp 1757936REsp 1750233REsp 1190180REsp 1662338.


Por Guilherme Michel Barboza Sleder, Diretor Geral da Área Cível.

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