Em 23/08/2012 fora apresentado pelos Deputados Federais Rose de Freitas (PMDB/ES) e Luiz Pitiman (PMDB/DF) uma Proposta de Emenda Constitucional nº 209/2012, também conhecida como PEC da Relevância, a qual pretende incluir um §1º ao art. 105 da Constituição Federal, o qual assim disporá, caso seja aprovada:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
[…]
§ 1º No recurso especial, o recorrente deverá demonstrar a relevância das questões de direito federal infraconstitucional discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços dos membros do órgão competente para o julgamento.
Nos termos da proposta, seu objetivo principal seria descongestionar o Superior Tribunal de Justiça “em questões de índole corriqueira, como multas por infração de trânsito, cortes no fornecimento de energia elétrica, água”, etc […].
Os redatores da PEC 209/12 utilizaram como base para a proposta o mesmo entendimento dado aos Recursos Extraordinários (sendo aqueles que versam sobre violação a dispositivos constitucionais), uma vez que para o seu conhecimento e admissibilidade, faz-se necessário que a parte demonstre a repercussão geral do tema.
Ocorre que, em termos práticos, o Recurso Extraordinário se limita aos dispositivos eminente e expressamente constitucionais, não se prestando a discutir a violação de artigos infraconstitucionais, papel este que é atribuído ao STJ em sua competência de processamento e julgamento, nos termos do art. 105 da CF/88.
Nesta ótica, considerando que o sistema jurisdicional brasileiro rege-se, dentre outros princípios, o da legalidade e tem como cerne o positivismo das normas, as demandas cujo tema refere-se a normas infraconstitucionais são em quantidade muito superior àquelas cuja matéria vincula-se exclusivamente à Carta Magna, havendo muito ainda há se pacificar.
[1] DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurídico: significado e correntes. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/84/edicao-1/positivismo-juridico:-significado-e-correntes. Acesso em 11/11/2021.
Diante de tal aspecto, e considerando o intuito nobre da PEC 209/12, o pressuposto da demonstração da relevância da questão infraconstitucional pode trazer óbice ao efetivo acesso à prestação jurisdicional, principalmente por se tratar de mais uma matéria de disposição defensiva de admissibilidade dos recursos pelo Superior Tribunal de Justiça.
O sistema de admissibilidade dos Recursos Especiais já é, per si, extremamente rígido, principalmente no que se refere a impossibilidade do STJ analisar premissas e matérias fáticas, v.g. a incidência das súmulas nºs 5, 7 e 211 do STJ, bem como a necessidade de prequestionamento da matéria pelas instâncias inferiores.
A crítica que surge na doutrina e nas discussões dos operadores do direito é justamente diante de que, havendo a ocorrência de casos em que violações as normas infraconstitucionais, por não possuírem a relevância necessária para a sua análise em Recurso Especial, sequer chegarão a apreciação pelo STJ, v.g., cobranças indevidas por instituições financeiras com menor importância econômica.
E mais, reconhecendo-se que a provocação ao STJ se dá mediante a interposição de Recurso Especial, a estabilização do entendimento jurisprudencial poderá desestimular os recursos dirigidos ao órgão sobre temas já pacificados, obstando inclusive a mudança de entendimento da Corte, indo de encontro à evolução jurídica, que caminha conjuntamente à ascensão social e da valorização dada nos negócios celebrados pela população.
No trâmite legislativo, em 03/11/2021, houve a aprovação da PEC 209/12 pelo Plenário do Senado, que, embora aprovada, contou com modificações, motivo pelo qual será reapreciada pela Câmara dos Deputados Federais.
Conclui-se, portanto, que a inserção da relevância da matéria como pressuposto de admissibilidade dos Recursos Especiais deve ser apreciada com cautela, principalmente para evitar o sentimento de injustiça em razão de ser mais um óbice ao conhecimento do recurso, e de modo consequente, na apreciação de entendimento sobre a matéria infraconstitucional suscitada.
Ricardo Augusto Sarmiento
11/11/2021