A NOVA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO: UMA RÁPIDA ANÁLISE

A NOVA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO: UMA RÁPIDA ANÁLISE

Historicamente, pode-se analisar que as dívidas sempre permearam as relações humanas. Em momentos de nefastas crises como a Quebra da Bolsa de Valores de Nova York, a 2ª Guerra Mundial e não menos importante e tão presente à nova realidade, a pandemia do Covid-19, há de se considerar o aumento substancial delas.

Com a crise mundial desencadeada pela Covid-19 e dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, cerca de 69,7% das famílias brasileiras possuem algum tipo de dívida (CNC, 2021). É fato que uma multiplicidade de relações jurídicas sofreram alterações por conta da pandemia, em decorrência do negativo impacto econômico ao redor do mundo.

O impacto econômico afetou pessoas físicas e jurídicas, as quais viram seus saldos positivos deslizarem pelos dedos como areia diante das drásticas quedas em seus faturamentos, serviços, mão de obra entre outros. Também soma-se a isso o elevado aumento de suas inadimplências, obrigações e encargos fora de controle.

Neste contexto, é evidente que a questão do superendividamento sempre foi um insigne problema no Brasil, a pandemia apenas impulsionou e trouxe à tona de forma mais expressiva, algo que sempre esteve presente.

Nessa toada, merece destaque duas figuras, a primeira quanto aos devedores de consumo e a outra quanto aos devedores sem escolha. Aqueles referem-se aos superendividados ativos, enquanto estes, ao superendividados passivos.

O que importa nesta seara são os superendividados passivos. Nas palavras de André Perin Schmidt Neto (2010), o superendividamento passivo é decorrente de motivos externos e intempéries da vida, como doenças, desempregos, separações e afins, e não pela falta de gestão ou má-fé.

Com isso, ainda que preconceituosamente haja uma forte tendência em atribuir à culpa desse superendividamento ao próprio indivíduo, é notório que o cerne da questão é um problema do sistema bancário e de crédito.

É evidente que há uma forte combinação indesejável entre a facilidade, publicidade abusiva e fácil acesso ao crédito preconizada por esses institutos aos consumidores que, carentes de educação financeira e diante da ausência de efetivas políticas públicas submetem-se a exorbitantes financiamentos a juros demasiados.

No Brasil, o fornecedor de créditos, atestando a condição indefesa do consumidor “mascara” com juros e custos desproporcionais, o risco do valor contratado. Assim, é possível inferir que sob a ótica dos credores tais créditos mostram-se favoráveis investimentos, por mais que perversos.

            Pesquisas retratam que esta é a forma mais presente de superendividados no país, vejam:

“(…) a pesquisa foi realizada em 2005, no Rio de Janeiro, coordenada por Rosângela Cavallazzi, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Heloísa Carpena, procuradora do Ministério Público Estadual. Os resultados são semelhantes aos realizados pelos profissionais riograndenses. Com base nos registros do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon/Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro), foram selecionados 80 consumidores. Desses, 39% comprometeram 60% da renda, ou mais, em dívidas. Em 50% dos casos, o desemprego foi responsável pelo desequilíbrio financeiro. Apenas 37% receberam a cópia do contrato e em 88% das vezes não se pediu nenhuma garantia para o empréstimo (IBDC, 2009)”

A sociedade brasileira é marcada pela sociedade de consumo, massas e classes e com isso, para que haja validação e aceitação social pelo padrão pré estabelecido, os consumidores acabam se endividando para consumir produtos que nem sempre são essenciais, gerando um modo de vida vicioso e cabalmente prejudicial.

Dessa forma, com vistas a conseguir resguardar o mínimo existencial e a sobrevivência das pessoas físicas e com o escopo de proteger os direitos humanos dos superendividados passivos e, após exaustivas tentativas de alterar o cenário cruel, que o advento da Lei nº 14.181 de julho de 2021 para a prevenção e o tratamento do superendividamento, se mostra como foco de esperança para estes protagonistas desmemoriados.

A nova lei, traz a oportunidade aos superendividados de não serem estigmatizados e marginalizados por suas dívidas dentro do contexto social, bem como avanços expressivos na defesa da cidadania, a fim de auxiliá-los na renegociação de suas dívidas exigíveis e vincendas sem comprometer seu mínimo existencial, beneficiando devedores e credores.

A novel legislação, ainda incipiente, foi pensada há mais de 30 anos com intuito de trazer ao conhecimento público novas e eficazes formas de repactuação das dívidas da pessoa natural e de boa-fé.

Compreendendo a necessidade de proteção que carecia aos superendividados, buscou o legislador por meio do novo dispositivo dar proteção especial àqueles, com o propósito de resguardar suas condições mínimas de subsistência e fomentar a resolução do conflito por meio de uma conciliação.

Garantiu novos mecanismos, permitindo a autocomposição das partes e a repactuação de dívidas, através da apresentação de um plano de pagamento de débitos com prazo máximo de 5 anos, conforme prevê o art. 104-A da lei, sem gerar aos consumidores indignidade, dentro dos requisitos legais discriminados pela norma.

Ainda que brilhante, a aprovação da lei mostra-se tardia em virtude dos tempos difíceis que se aproximam neste cenário pós pandemia, todavia, precavendo situações similares, o novo dispositivo trouxe em seus artigos mecanismos para sua minoração.

De igual forma, é importante destacar o papel primordial dos meios alternativos de solução de conflitos em um contexto jurídico que mostra-se abarrotado e congestionado de ações. Os meios alternativos são uma admirável forma de conter a morosidade da justiça e portanto, deve ser – sempre –  preterível.

Assim, neste contexto, a Lei 14.181/2021 mostra-se como alternativa para a resolução de conflitos oriundos da perversa concessão creditícia aos superendividados passivos, por meio da conciliação entre credores e devedores a fim de alcançar a pacificação social de forma simples, célere e econômica, sem acionar a tutela jurisdicional.

Ante todo o exposto, conclui destacar que o cerne desta nova legislação tem por objetivo revolucionar o infortúnio cenário causado pelo superendividamento dos devedores passivos, a fim de realocar essas pessoas na cadeia consumerista por meio de novas formas de negociação de dívidas com vistas a garantir o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, fundamento basilar do Estado democrático de direito.

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