A empresa familiar é a interação entre dois sistemas independentes que se conectam: o negócio e a família. Trata-se de um empreendimento em que a propriedade e/ou a direção são responsabilidades de uma mesma família. Esse tipo de empresa é comum em todos os países, não sendo diferente no Brasil, visto que a formação econômica do País está associada a diversos casos de empreendimentos geridos por famílias que se enriqueceram ao longo do tempo.
No Brasil, as empresas familiares surgiram no século XVI, juntamente com as capitanias hereditárias, que é considerada a primeira forma de empreendimento privado no País. A expressão “hereditárias” se referiam às terras transferidas por herança aos herdeiros dos donatários que as administravam, ou seja, os primogênitos herdavam as terras oriundas do pai (Martins et al., 1999).
A maioria das empresas familiares iniciam suas atividades a partir de uma ideia ou uma problemática, em que indivíduos com visão empreendedora realizam investimentos com o apoio de seus familiares. Alguns iniciam o negócio pela união das economias e dos esforços de um casal. Outros, contam com a participação dos filhos, que auxiliam a rotina do trabalho dos pais, aprendendo as tarefas corriqueiras (Lobo, 2014).
As empresas familiares podem ser classificadas no sentido amplo ou restrito (Leone, 2005). No primeiro caso, os integrantes familiares possuem participação acionária relevante, seja majoritário ou minoritário, mas a gestão é comandada por executivos ou consultorias profissionais que não fazem parte da família. Empresa familiar restrito é o caso em que a administração e as tomadas de decisões estão sob controle dos sócios da família ou grupos familiares.
Na perspectiva empresarial, a resistência das famílias às mudanças ainda é um fator relevante. A cultura empresarial forte, em que os empregados têm fidelidade e respeito à tradição da empresa, pode ser vista como uma vantagem. Mudanças em estruturas sólidas, construídas ao longo de anos de forma tradicional, transmite desconfiança, incerteza e receio. Uma das atividades mais importantes dentro de qualquer empresa é a escolha de pessoas para assumir as diversas funções.
Numa empresa familiar, a participação de pessoas relacionadas com laços de parentesco dificulta ainda mais o processo, sem que haja ressentimentos ou conflitos. O risco é escolher um familiar despreparado para ocupar uma função importante na administração da empresa. Uma decisão equivocada pode causar perdas de muitos anos de planejamento.
Para diminuir a chance de insucesso e favorecer a sucessão tranquila, é de extrema importância a elaboração do Acordo de Sócios. Ele tem a função de definir os limites e as regras das ações dentro da empresa, além dos direitos e deveres de cada um. Um documento bem estruturado juridicamente, transparente e aprovado pelos membros diminui o risco de atritos e as contrariedades podem ser minimizadas. Este documento deve garantir uma gestão profissional, além de estimular melhores práticas administrativas.
Nessa estruturação são também importantes: os holdings familiares, o estatuto social, a assembleia geral de sócios, o conselho de família, o conselho consultivo e administrativo e a sociedade operacional. Neles, devem ficar claras as regras para o ingresso e desenvolvimento de familiares nos negócios.
As empresas bem-sucedidas evoluem da sua introdução até a maturidade. Dependendo da qualidade administrativa da empresa, esse progresso pode ser bem-sucedido ou não. Para obter sucesso, é determinante um bom planejamento e tomadas de decisões assertivas que permitam alcançar a sua longevidade.
O ciclo de vida das empresas familiares não é muito diferente das empresas não familiares. Mas, no Brasil, estima-se que 70% dos empreendimentos familiares encerram suas atividades com a morte do proprietário, com um ciclo de vida médio de apenas 24 anos (Oliveira, 2010). Por isso, a continuidade ou sucessão desse tipo de empresa, depende da visão do seu fundador, estabelecendo compromissos que assegurem a perpetuação do empreendimento.
A longevidade de uma empresa familiar é determinada pelo mercado e pelo nível de interesse dos descentes em participar do negócio da família e, normalmente, a fase final da empresa acontece após a transição de gerações (Martins et al., 1999). A análise do ciclo de vida torna-se ainda mais interessante pela relação intrínseca entre o ciclo de vida do empreendimento e o da própria família (Barnett et al., 2012). Por isso, o impacto dos problemas que surgem em cada uma das etapas do ciclo de vida, tanto da empresa quanto da família, depende da proximidade entre os dois sistemas.
A sucessão na família empresária deve ser pensada como um processo, e não como um evento pontual, visto que ela pode durar anos (Passos et al., 2006). Para uma continuação respeitada e legítima, todas as etapas devem ser articuladas de forma coletiva, envolvendo os integrantes da família e levando em consideração as suas particularidades, pois na maioria das vezes define o futuro da empresa.
A chave para uma boa administração é a capacidade de lidar com todos os problemas, em todas as fases da empresa, concentrando nos mais pertinentes ao atual estágio da organização no ciclo de vida. Quando a empresa é capaz de superar as dificuldades, ela inicia um novo ciclo com grandes chances de colher bons resultados e aumentar sua lucratividade (Adizes, 1990) As chances de aumento da longevidade de uma empresa familiar são aumentadas quando existe separação entre os assuntos de família, da empresa e do patrimônio.
Quando as decisões empresariais são tratadas juntamente com os problemas familiares, há possibilidade de surgimento de conflitos de interesses entre os objetivos empresariais e pessoais, com prejuízos para a empresa. Da mesma forma, a discussão sobre o patrimônio familiar, formado por bens empresariais e particulares, deve ser feita separadamente, distinguindo o que é herança e o que faz parte do capital empresarial.
Muitas empresas familiares, principalmente as de primeira geração, não sabem como introduzir e desenvolver a sucessão do empreendimento entre os herdeiros. Por causa da inexperiência e do ineditismo, as novas gerações têm desenvolvido esse processo com o apoio de empresas especializadas no assunto, de forma programada e planejada.
O planejamento, quando adequado à realidade da empresa, evita que ocorram erros tradicionais, tais como: atraso no ingresso dos filhos na empresa; pagamento de salários indevidos; desvalorização do primeiro emprego; e complacência com gestores incompetentes. O auxílio de uma empresa especialista no assunto pode ajudar a identificar e evitar esses problemas.
Uma boa consultoria, em especial, a jurídica, busca estabelecer um plano de sucessão que garanta uma mudança segura quando chegar o momento ideal. O objetivo é a continuação do negócio com o sucessor, evitando conflitos e diminuindo os riscos de insucesso. O trabalho deve considerar as especificidades e os planos futuros da empresa familiar, assegurando o prosseguimento dos negócios sem prejuízos. Adicionalmente, um bom plano de sucessão deve incluir as questões relacionadas com a estrutura familiar, empresarial e patrimonial. O ideal é que esse processo seja iniciado com a maior antecipação possível e, de preferência, com o fundador ainda à frente da empresa e com a participação de todos os envolvidos na organização, possibilitando a longevidade do negócio estabelecido.
REFERÊNCIAS
ADIZES, I. 1990. Os Ciclos de vida das organizações: como e por que as empresas crescem e morrem. 4ed. Editora Pioneira, São Paulo, SP, Brasil.
BARNETT, T.; LONG, R. G.; MARLER, L. E. 2012. Vision and exchange in intra-family succession: Effects on procedural justice climate among nonfamily managers. Entrepreneurship Theory and Practice 36 (6): 1207-1225.
LEONE, N. 2005. Sucessão na empresa familiar: preparando as mudanças para garantir sobrevivência no mercado globalizado. 1ed. Editora Atlas, São Paulo, SP, Brasil.
LÔBO, P. 2014. Direito Civil: Sucessões. 2 ed. Editora Saraiva, São Paulo, SP, Brasil.
MARTINS, I. G. D.; MENEZES, P. L.; BERNHOEFT, R. 1999. Empresas familiares brasileiras: Perfil e perspectivas. 1ed. Editora Negócio, São Paulo, SP, Brasil.
OLIVEIRA, D. P. R. 2010. Empresa Familiar: Como fortalecer o empreendimento e otimizar o processo sucessório. 3ed. Editora Atlas, São Paulo, SP, Brasil.
PASSOS, E.; Bernhoeft, R.; Teixeira, W. 2006. Família, família, negócios a parte: como fortalecer laços e desatar nós na empresa familiar. 1ed. Editora Gente, São Paulo, SP, Brasil.
Maria Beatriz Colafatti Da Silva