Em termos históricos, o poder legislativo há muito já tutelava a relação existente entre os débitos fiscais e os crimes que deles decorriam, com a publicação de leis como a de nº 9.964/2000, que instituiu o Programa de Recuperação Fiscal, em que condicionava a suspensão da pretensão punitiva os contribuintes que aderissem a proposta antes do recebimento da denúncia.
Partindo-se desta lógica, em crimes fiscais, como por exemplo a apropriação indébita previdenciária e a sonegação fiscal, a exigibilidade do tributo está diretamente relacionada com pretensão punitiva estatal, embora searas distintas.
A jurisprudência, em termos evolutivos, também se voltava a decidir os marcos para a produção dos efeitos da suspensão, condicionando à data de adesão ao programa, inclusive firmando entendimento entre as Cortes do STJ através do HC no 206.986/SC (2011/0112309-6) em que “a incidência das regras de extinção da punibilidade nas hipóteses de parcelamento do crédito tributário, disciplinadas de formas distintas pelas nas Leis n.o 9.249/1995 e n.o 9.964/2000, depende da data na qual ocorreu a adesão ao respectivo programa, sendo certo que a partir do último diploma legal tal fato apenas dá ensejo à suspensão da pretensão punitiva até a quitação integral das parcelas.”1
Por sua vez, com o advento da Lei no 12.382/2011, alterou-se o art. 83 da Lei no 9.430/96, determinando a suspensão da pretensão punitiva do Estado durante o período em que o agente estiver incluso em parcelamento e desde que o parcelamento tenha sido efetuado antes do recebimento da denúncia criminal.
Assim, observa-se que caso tenha sido efetuado um parcelamento fiscal dos tributos que também originaram as infrações penais, tanto a exigibilidade do tributo quanto a pretensão punitiva do estado ficariam suspensas até a quitação integral dos valores devidos.
1 (STJ – HC: 206986 SC 2011/0112309-6, Relator: Ministro JORGE MUSSI, Data de Julgamento: 03/05/2012, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/05/2012)
Veja-se que a adesão a programa de parcelamento não constitui causa de extinção da punibilidade, fato este que somente irá acontecer após o pagamento integral do tributo, nos termos do entendimento da Corte Superior:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE PELA ADESÃO AO REFIS ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. 1 – “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.” (Súmula no 283/STF) 2 – Esta Corte firmou a compreensão de que a adesão ao programa de parcelamento na vigência da Lei no 9.964/2000 – REFIS afasta a aplicação da Lei no 9.249/95, acarretando tão só a suspensão do processo e do prazo prescricional, não havendo falar em extinção da punibilidade, que só se opera quando houver o pagamento integral do tributo, a teor do contido no art. 15, § 3o, do diploma legal. 3 – Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1272896/MG, Rel. Ministro HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/CE), SEXTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 16/11/2010.)
Ora, do que fora exposto pelo entendimento jurisprudencial retira-se que somente a quitação do débito tributário é capaz de extinguir a punibilidade do agente. Desta forma, eventual parcelamento em curso apenas impede o regular trâmite da ação penal e a sua consequente prolação de sentença, contudo, a constituição da ação penal permanece inalterada, eis que apenas seria capaz de impedir o seu início com a quitação regular do débito tributário.
Em termos práticos, se caso efetuado um parcelamento entre o contribuinte e o ente fiscal e em momento posterior tenha sido recebida a denúncia em seu desfavor, há evidente nulidade processual ante a suspensão imediata da pretensão punitiva do estado no ato do parcelamento, que impede a adoção de quaisquer medidas de persecução criminal.
Em suma, verifica-se que o parcelamento de débito fiscal suspende a pretensão punitiva estatal, enquanto o pagamento integral do débito, por sua vez, possui o condão de extinguir a punibilidade pelo suposto ato criminoso, devendo ser analisada a situação caso a caso para se viabilizar a melhor estratégia jurídico-processual para a solução da controvérsia.
Ricardo Augusto Sarmiento.