A nulidade é um dos institutos previstos no Código de Processo Civil e se trata de uma patologia no ato processual, que, quando possível, deve ser sanada.
O instituto da nulidade nos revela que os princípios da instrumentalidade das formas e dos atos processuais não são absolutos, já que, quando evidenciado que o ato acarreta prejuízos à parte, a nulidade deve ser sanada.
O Código de Processo Civil trata das nulidades do artigo 276 ao 283, estabelecendo com clareza quais são as consequências da nulidade.
Contudo, para tratar da questão da nulidade de citação dentro do processo de execução, é necessário se ater ao disposto nos artigos 278 e 280, combinado com o artigo 239, § 1º, todos do Código de Processo Civil, in verbis:
Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão.
Art. 280. As citações e as intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais.
Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.
§ 1º O comparecimento espontâneo do réu ou do executado supre a falta ou a nulidade da citação, fluindo a partir desta data o prazo para apresentação de contestação ou de embargos à execução.
Partindo da leitura dos referidos artigos é possível constatar que a nulidade deve ser arguida na primeira oportunidade, sob pena de preclusão, bem como que a citação será nula quando inobservadas as prescrições legais. Além disso, de forma objetiva, o artigo 239, § 1º, aponta que o comparecimento espontâneo do executado supre a falta ou a nulidade de citação, fluindo, a partir daí o prazo para embargos do devedor.
Além disso, importante ressaltar que o executado, quando devidamente citado aos moldes do disposto no artigo 829, § 1º do CPC, passa a integrar o polo passivo do processo de execução, podendo oferecer defesa por meio dos embargos à execução, conforme estabelecem os artigos 914 e 915, ambos do Código de Processo Civil.
Ocorre que, na prática, nem sempre o ato de citação acontece dentro dos preceitos legais, o que acaba acarretando na nulidade do ato. Vale lembrar que a ausência de citação válida gera nulidade absoluta, já que apresenta um vultuoso prejuízo ao executado.
Partindo de tal ponto, podemos identificar algumas formas de nulidade de citação: citação por edital precoce, quando não esgotados todos os meios de busca; comparecimento espontâneo reconhecido por instrumento procuratório que não confere poderes ao advogado para que receba citação; citação feita em nome de terceiro estranho à lide ( Recurso Especial 1.840.466/SP), com exceção de citação à pessoa jurídica (válida a entrega do mandado a pessoa com poderes de gerência geral ou de administração, ou ainda ao funcionário responsável pelo recebimento de correspondências); entre outras nulidades a ser verificadas no caso concreto.
Entretanto, embora os artigos 278, 280 e 239, § 1º, todos do Código de Processo Civil, sejam claros quanto ao momento para apresentação de defesa quando arguida a nulidade de citação, nem sempre é fácil tomar tal decisão na prática, isso porque existem diversos fatores que influenciam a execução do ato processual, sendo um deles o recolhimento de custas.
A título exemplificativo, o Poder Judiciário do Estado do Paraná, por meio da Lei 6.149/70, exige o recolhimento de custas de embargos à execução com base no valor da causa dada aos embargos à execução, sendo que o não recolhimento no prazo acarreta em cancelamento da distribuição.
Vejam, a situação narrada acima faz surgir o seguinte problema: se houver oposição de embargos à execução, com recolhimentos de custas e a arguição de nulidade não for acolhida, tanto o recolhimento de custas efetuado quanto o trabalho dispendido na confecção da defesa serão em vão.
Isso ocorre porque o legislador muitas vezes não prevê o que pode ocorrer na prática. Se o artigo 278 e 239, § 1º, do Código de Processo Civil forem seguidos à risca, a peça cabível após a arguição de nulidade deve ser apresentada junto com a arguição, ou seja, na primeira oportunidade de comparecimento nos autos, sob pena de preclusão.
Entretanto, o mais razoável nesta situação seria o seguinte caminho: primeiro se argui a nulidade de citação; em segundo lugar, o magistrado se pronuncia sobre ela; e, por fim, caso acolhida a tese de nulidade, abre-se o prazo de 15 (quinze) dias para oposição dos embargos.
Essa sequência de atos processuais é a mais razoável a ser adotada, respeitando-se, assim, o trabalho desenvolvido pelo advogado e não onerando ainda mais o executado, que não lançaria à sorte o recolhimento de custas de uma defesa que sequer poderia ser aceita caso não fosse reconhecida a nulidade de citação.
Ocorre que, conforme já exposto, a legislação não prevê tal curso processual.
Dessa forma, cabe ao magistrado, à luz do poder geral de cautela, da economia processual e do princípio da razoabilidade, analisar o pleito de nulidade de citação e, sendo acolhido, devolver ao executado o prazo para embargos à execução, para que este, dentro do prazo legal, apresente sua defesa, com o recolhimento de custas (quando exigidas).
Isso faz com que o executado não seja prejudicado sobremaneira, pois não terá que despender valores com custas dos embargos, sem saber se a nulidade será acolhida ou não.
Esse entendimento muda a ótica posta pelo artigo 239, § 1º do Código de Processo Civil.
Entretanto, entende-se que tal dispositivo deve-se ser lido sob o prisma da menor onerosidade do devedor em conjunto com os princípios da economia processual, razoabilidade e proporcionalidade, em função da análise do caso concreto.
No Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, tal entendimento ainda não é dominante.
Nesse sentido, o julgado abaixo destaca que os embargos devem ser opostos no ato do comparecimento ao processo, sob à luz do disposto no artigo 239, § 1º, do CPC:
Agravo de Instrumento. Execução de contrato de abertura de crédito fixo. Decisão agravada que rejeita exceção de preexecutividade. Citação de um dos avalistas por hora certa. Ausência de nomeação de curador especial. Nulidade suprida pelo comparecimento espontâneo do devedor no processo. Pretensão de fixação de termo inicial para a oposição de embargos do devedor. Descabimento. Prazo que flui a partir do comparecimento do executado. Art. 239, § 1º do CPC/2015. Impenhorabilidade. Matéria passível de ser impugnada por mera petição. Questão que deve ser apreciada independente de não ser própria de exceção de preexecutividade. Bem de família. Lei nº 8.009/1990. Imóvel penhorado utilizado como residência pelo devedor e sua família. Provas demonstrando a moradia não desconstituídas pelo exequente. Impenhorabilidade reconhecida. Recurso conhecido e provido em parte. (TJPR – 15ª C.Cível – 0047244-74.2018.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR HAMILTON MUSSI CORREA – J. 13.02.2019)
Contudo, ainda que de forma isolada, já há precedente do mesmo Tribunal assinalando para a possibilidade de apresentação de defesa após o reconhecimento da nulidade:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE COBRANÇA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DECISÃO QUE ACOLHE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE, PARA O FIM DE DECLARAR NULA A CITAÇÃO DOS EXECUTADOS NA FASE DE CONHECIMENTO, REABRINDO PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE CONTESTAÇÃO E DETERMINANDO O DESBLOQUEIO DE VALORES PENHORADOS. 1. ALEGAÇÃO DE POSSIBILIDADE DE PENHORA. NÃO CONHECIMENTO. QUESTÃO NÃO APRECIADA EM PRIMEIRO GRAU, DIANTE DA DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA CITAÇÃO. 2. PREJUDICIAL DE MÉRITO DE PRESCRIÇÃO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES DE RECURSO. NÃO CONHECIMENTO SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA NA DECISÃO AGRAVADA. 3. POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. NULIDADE DE CITAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. 4. CITAÇÃO INVÁLIDA NO PROCESSO DE CONHECIMENTO. CORRESPONDÊNCIA ENTREGUE EM ENDEREÇO QUE NÃO MAIS RESIDIAM OS EXECUTADOS. COMPARECIMENTO ESPONTÂNEO QUANDO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA QUE NO CASO NÃO SUPRE A FALTA DE CITAÇÃO PARA A AÇÃO DE CONHECIMENTO. AR ASSINADO POR PESSOA ESTRANHA AOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA DA APARÊNCIA, POR NÃO SE TRATAR DE PESSOA JURÍDICA. 5. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR – 12ª C.Cível – 0033771-21.2018.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADOR MARCO ANTONIO ANTONIASSI – J. 25.10.2018)
No caso desse julgado, verifica-se que foi devolvido o prazo de defesa após reconhecer a nulidade de citação. Portanto, revelou-se razoável o entendimento do magistrado a quo que, ao invés de reconhecer a preclusão do prazo para apresentar defesa, entendeu por devolvê-lo aos executados, anulando os atos processuais e intimando os requeridos para apresentar contestação.
Ante o exposto, conclui-se que, mesmo que haja previsão legal acerca do momento para apresentar embargos à execução quando arguida a nulidade de citação (artigo 239, § 1º, do CPC), entende-se que tal dispositivo deve ser lido em conjunto com os princípios da menor onerosidade do devedor, da economicidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, em função da análise do caso concreto, elegendo-se como preferível a seguinte ordem de atos processuais: arguição de nulidade de citação, pronunciamento judicial favorável e abertura de prazo de 15 (quinze) dias para oposição dos embargos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DONIZETTI, Elpidio. CURSO DIDÁTICO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL. São Paulo: Atlas, 2016.
BELCHIOR, Wilson Sales. STJ decide que citação postal para pessoa física recebida por terceiro não comprova conhecimento do processo. 2021. Disponível em: https://rms.adv.br/rms-noticias/advocacia-nos-tribunais-superiores/stj-decide-que-citacao-postal-para-pessoa-fisica-recebida-por-terceiro-nao-comprova-conhecimento-do-processo/. Acesso em: 21 nov. 2021.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 março 2015. Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 21 nov.2021.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Ementa nº 0047244-74.2018.8.16.0000. Diário da Justiça. Curitiba, 2019.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Ementa nº 0033771-21.2018.8.16.0000. Diário da Justiça. Curitiba, 2018.